domingo, 8 de maio de 2011

Quebra-cabeças - PEÇA 3


- você não faz nada?
ela nem se mexeu, só levantou os olhos da revista e sem nem olhar para mim soltou: eu existo.
Baixou os olhos outra vez.
Eu nunca engolira nada tão gelado, mas eu chegara até ali e não podia voltar atrás mesmo que quisesse. O banho fora tão forte que me plantara naquele espaço, agora era eu quem não se movia ou se expressava. Aquele segundo de calafrio que queimou as minhas entranhas passou com o vislumbre de que nada mais idiota que aquilo poderia sair da minha boca e então eu continuei: E além di...- e fui interrompido- ela se voltou enquanto fechava revista sem marcar a página, engoliu a minha retina e disse:
- além disso eu me sento do lado oposto da quadra para você me ver melhor às quintas-feiras. Mas caso você queira saber também,eu só gosto de esportes solitários. Nem xadrez, nem polo, nem sexo.


Quando eu tinha sete anos tinha certeza de que amava a Marianinha.
Ela usava a lancheira mais moderna e tinha todas aquelas estrelinhas no caderno. Aquela vozinha insuportável e se subordinava á líder da panelinha, que era ligeiramente maior, mais agressiva e falava mais alto. Eu até me sentia correspondido.
Na entrada da escola deixava o meu material sempre perto do dela até o dia em que eu à surpreendi entornando um latinha de pepsi a minha mochila de rodinhas. Eu parei do lado dela e ela continuou entornando até terminar, deu uma balançadinha na lata, vestiu a melhor cara de má que conseguiu e disse bem baixinho: não foi sem querer, desculpa. Saiu.
Até agora esse tinha sido o pior fora da minha vida, o mais bizarro, o mais traumático. A Marianinha cresceu tão normal, escondendo o volume do cabelo, usando calça não outra que não fosse jeans que eu nunca poderia me imaginar topando com uma outra daquelas. Achei que elas entrassem em extinção depois que os peitos cresciam e vinha a atração pelos meninos mais velhos. Mas como eu disse, fora o pior fora até agora.

Eu ouvi o sinal, ela também.

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